A simulação computacional do funcionamento de uma casa de farinha em um assentamento rural: aplicação da ferramenta para análise do processo de produção da farinha
Tradição brasileira, o consumo e produção da farinha sempre estiveram ligados a sustentabilidade alimentar. A arte de fazer farinha inclui um conjunto de diferentes práticas, que ultrapassam o processo em si, revelando saberes e experiências, que agregam valor ao produto e configuram uma tradição (SILVA C.; SILVA M., 2015).
O sistema da casa de farinha é composto por diferentes etapas, da colheita até o produto final. Para propor melhorias nesses sistemas, é fundamental compreender a forma como seus recursos se relacionam e como impactam uns aos outros (BRITO, 2007). A simulação de eventos discretos diz respeito à modelagem de um sistema à medida em que ele evolui ao longo do tempo, por meio de uma representação na qual as variáveis de estado mudam, de maneira instantânea em pontos no tempo (LAW, 2013). Tornando-se parte do processo de planejamento e tomada de decisão, permite que se estude o layout e a capacidade, aprimore a alocação dos recursos, entre outros (STEPHENS; MEYERS, 2013). Tudo isso, sem intervenção no sistema real.
Este estudo tem como objetivo mapear e analisar o processo produtivo, por meio da modelagem e simulação de eventos discretos, da farinheira em construção no assentamento de reforma agrária localizado na região serrana de Macaé, o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Osvaldo de Oliveira. Para tal, utilizou-se o software Arena, da Rockwell Automation, e a extensão Visual Designer, que permitiu a realização de uma animação tridimensional do sistema.
Destaca-se que este artigo é fruto do trabalho do projeto de extensão Laboratório Interdisciplinar de Tecnologia Social (LITS – lits.macae.ufrj.br) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O LITS está vinculado à disciplina “Aprendizagem por Projetos” (APP) dos cursos de engenharia do Centro Multidisciplinar UFRJ-Macaé e é, também, um programa do Núcleo Interdisciplinar para o Desenvolvimento Social (NIDES/UFRJ). A pesquisa foi tema do Trabalho de Conclusão de Curso de uma das autoras, comprovando a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
Para conduzir o estudo foi considerada a metodologia de simulação proposta por Aoki (2018), composta pelas etapas: definição do problema, estabelecimento dos objetivos, formulação e planejamento do modelo, coleta de dados, desenvolvimento, verificação e validação, experimentação e análise dos resultados. Apesar de funcional, a farinheira encontra-se em fase de melhoria, impossibilitando a coleta dos dados reais para representação do sistema automatizado. Assim, a pesquisa foi conduzida com dados secundários, orientados pela consulta de dados técnicos das máquinas similares as que serão instaladas.
O MODELO DA CASA DE FARINHA DO PDS
No modelo simulado, o processo, descrito na Figura 1, inicia-se na chegada das mandiocas do armazém em direção ao descasque, onde, são agrupadas para serem descascadas em uma máquina descascadora. Nessa etapa, as cascas se tornam um resíduo do processo que, embora não sirvam para comércio, podem ser aproveitados para alimentação animal.
As mandiocas descascadas são transportadas para a lavagem. Nessa etapa, os resquícios do descasque são retirados manualmente com a faca e, depois, submerge-se as raízes na caixa d’água para completar a lavagem. Em seguida, encaminham-se as mandiocas limpas para a trituradora, onde são trituradas e colocadas em sacos de rafia para serem prensadas.
Na fase da prensagem, tem-se outro efluente do processo, a manipueira, líquido venenoso que precisa ser adequadamente tratado. No processo simulado, uma parte da manipueira torna-se a goma, que pode ser utilizada para fazer tapioca. O restante é coletado, podendo ser transformado em fertilizante. Após a prensagem, a massa passa por uma peneira. Durante o esfarelamento têm-se a geração da crueira, que são os grumos de massa que ficam presos na peneira.
Em seguida, a massa peneirada é transportada para o forno, onde é torrada e levada para o esfriamento. Nesse momento, a farinha de mandioca está pronta para o consumo. Para comercialização, a farinha deve ser pesada e embalada. Para melhor visualização, a animação realizada do sistema, está ilustrada nas Figuras 2 e 3.
No modelo simulado, usou-se como dado inicial 114 kg de mandioca, dos quais resultaram em 52 kg de farinha, 18 kg de cascas, 14 kg de crueira, 27 kg do líquido de manipueira e 3 kg de goma. Essa entrada foi escolhida devido a uma limitação do Arena na versão estudante. Em relação ao tempo médio utilizado, foram 89 minutos para o processamento total. O Gráfico 1 representa as porcentagens obtidas.
Considerando que exista um único responsável por cada etapa, torna-se necessário, no mínimo, de 7 pessoas para trabalhar. Contudo, analisando a formação de filas, descritas na Tabela 1, pode-se observar certa criticidade, mesmo que baixa, na prensagem, considerando que a etapa se inicia na junção massa no saco de rafia e só finaliza ao agrupar toda massa prensada, e também na hora de pesar e embalar. As etapas não listadas apresentaram valores que podem desprezados.
Analisando as taxas de ocupação dos recursos, nota-se que os responsáveis por ‘pré-limpar e lavar’ e ‘pesar e embalar’ apresentam maior percentual de ocupação, de 12% e 27%, respectivamente. Embora pareçam baixos, sobressaem quando comparados aos demais. Por serem processos mais manuais e sem limite de alocação de pessoas, podem ser otimizados se outras pessoas que estiverem participando do coletivo ajudarem. Contudo, deve-se considerar que, uma vez que ocorra uma melhoria no gargalo, as restrições podem mudar de lugar do sistema, ocasionando filas em outras etapas.
Para verificar o impacto das propostas, optou-se por simular um novo cenário, considerando a alocação de 2 pessoas responsáveis para a pré-limpeza e embalagem. Nesse momento, pode-se observar a redução do tempo médio de produção para 81 minutos, cerca de 9% do anterior.
Em relação ao tempo de fila para pesar e embalar, pode-se observar uma queda para 6,7 minutos, redução de 44% do anterior. Além disso, a mudança não ocasionou formação de filas nas outras etapas.
Assim, pode ser interessante sugerir a compra de mais de uma balança para a farinheiro e a alocação de mais de 1 pessoa na pré-limpeza e embalagem. Diferentemente do que acontece com a prensa, que demandaria um investimento maior para que fosse comprada outra unidade para aumentar sua capacidade.
REFLEXÕES FINAIS
As informações colhidas pelo modelo, como as principais saídas, tempo de produção e as filas formadas, evidenciam a funcionalidade da ferramenta para análise do sistema e auxílio na tomada de decisão. Mais vantagens podem ser levantadas, como a inspeção das características comportamentais e reflexões acerca do processo em si, tratativa de dados da produção, visualização virtual por meio da animação e
identificação de oportunidades de melhoria. Ainda, o modelo permitiu a previsão, de forma rápida e de baixo custo, de como pequenas alterações poderiam influenciar no sistema, permitindo sua utilização para diálogo coletivo sobre gestão com os assentados.
Por meio da esquematização dos principais resíduos, pode-se notar muitas perdas no processo, evidenciando-se a importância de se conhecer formas de reaproveitar esses resíduos. Como o sistema automatizado da farinheira ainda não está funcionando, a indisponibilidade de dados reais para a condução dessa pesquisa foi um fator limitante. Foram utilizados dados obtidos nas especificações técnicas dos equipamentos, ou seja, constantes. Contudo, seria ideal a utilização de dados estocásticos obtidos pelo funcionamento real da casa de farinha, uma proposta para trabalhos futuros.
REFERÊNCIAS:
AOKI, R. M. Pesquisa operacional: simulação. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2018.
BRITO, V. Aplicação de simulação como ferramenta de apoio à elaboração de um planejamento estratégico de capacidade. Rio de Janeiro: Centro de Estudos em Logística–COPPEAD/UFRJ, 2007.
LAW, Averill M. Simulation modeling and analysis. 5 ed. New York: McGraw-Hill, 2013.
SILVA, C. S. S.; SILVA, M. G. Casas de farinha: cenários de (con)vivências, saberes e práticas educativas. In: DENARDIN, V. F.; KOMARCHESKI, R. (orgs.). Farinheiras do Brasil: tradição, cultura e perspectivas da produção familiar de farinha de mandioca. Matinhos: UFPR Litoral, 2015. p. 59-81.
STEPHENS, M. P.; MEYERS, F. E. Manufacturing facilities design and material handling. 5 ed. Indiana: Pearson Education, 2013.