A primeira abordagem de parte do governo brasileiro com relação ao assunto “RNI” se deu por meio da Resolução Anatel n° 256/2001 a qual estabeleceu como referência para a Taxa de Absorção Específica (SAR) os valores estabelecidos pela ICNIRP (Comissão Internacional para Proteção Contra Radiações Não Ionizantes).
Esta Resolução 256/2001 foi posteriormente revogada pela Resolução 303/2002, a qual instituiu o Regulamento sobre a Limitação da Exposição a Campos Elétricos, Magnéticos, e Eletromagnéticos na Faixa de Radiofrequência entre 9 KHz e 300 GHz.
O Regulamento aprovado pela Resolução 303/2002 foi estruturado tendo por base os parâmetros adotados pela ICNIRP.
A Lei 11934/2009 dispôs sobre os limites da exposição humana a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos.
Em 2011 a OMS classificou os campos eletromagnéticos de radiofrequência como possíveis cancerígenos para humanos (Grupo 2B).
A IEC (International Electrotechnical Commission), entidade vinculada à UIT e à OMC (Organização Mundial do Comércio), editou as Normas IEC- 62232 e IEC – 62577, as quais estabelecem critérios de medidas e valores. Aparentemente, estas Normas, mais a Recomendação ITU-T K.100 formaram a base para o Ato 458 da Anatel, comentado adiante.
Em 28/09/2018, a Anatel publicou a Resolução 700/2018 a qual estabeleceu novos parâmetros para as RNI, revogando a Resolução 303/2002.
A Anatel publicou, a seguir, o Ato 458/2019 com os novos parâmetros para reger o assunto (aparentemente tendo por base a Recomendação ITU-T K.100, de julho de 2019 – detalhado adiante).
Em julho de 2021 a ABNT adotou a Norma IEC 62232 para determinação da intensidade de campo e SAR.
Chegamos, finalmente, às Consultas Públicas da Anatel de n° 63 e n° 68 de 2022.
Considerações:
1 – A Lei 11934/2009 adotou os parâmetros da OMS e esta, por sua vez, adotou da ICNIRP. As Resoluções e Atos da Anatel não podem contrariar o que dispõe a Lei.
2 – A metodologia adotada pelo Ato 458 é muito pior e confusa que a antiga Resolução 303/2002. Segue a Recomendação ITU-T K-100, de forma incompatível com a Lei 11934 e Res. 700 (art. 4° – seguir a OMS).
3 – A Resolução 700 e o Ato 458 não apresentam, de forma clara, o que compete às emissoras de radiodifusão fazer.
4 – Os Relatórios resultantes de medidas de sinal não esclarecem nem contribuem com nada. Como a maior parte dos locais dos sistemas de transmissão são multiusuários – o que torna as leituras, no mínimo, questionáveis – (teria que tirar do ar todas as estações para se ter uma medida real e confiável). Outra forma seria medir sem a estação em foco no ar e depois comparar o incremento de sinal causado por ela (mas não é feito desta forma). O ponto de medida fica crítico e o deslocamento do instrumento alguns metros altera as leituras de forma radical.
5 – Na regulamentação da Anatel, não existe previsão a respeito das “áreas críticas” (Art. 3° – I – da Lei 11.934 – estabelece distância mínima de 50 metros para escolas, hospitais, creches, asilos e clínicas).
6 – O Ato 458, s.m.j., foi estruturado tendo como base a Recomendação ITU T K.100, editada em 2019. Isto vem contrariando a Lei 11.934 em seu artigo 4°, que estabelece que a referência seria os padrões adotados pela OMS (ICNIRP).
Do exposto, propomos:
1° – Que toda a regulamentação do assunto “Radiações Não Ionizantes” (RNI) seja estruturado nos termos da OMS e ICNIRP (caso contrário, a Lei 11.934 terá de ser alterada).
2° – Que os engenheiros habilitados possam elaborar os Laudos teóricos ou de medidas, sem necessidade de pessoa jurídica intermediando.
3° – Que sejam separados os diversos serviços de telecomunicações, em função de suas características técnicas básicas, e estabelecidos critérios e formulários para cada caso, tendo como referência os parâmetros propostos pelo ICNIRP. Esta separação poderia seguir os seguintes dados:
a) Faixa de operação;
b) Serviço: contínuo ou intermitente. Um exemplo de serviço contínuo são as estações de radiodifusão em geral e um exemplo de serviço intermitente são os serviços de radiocomunicação em geral;
c) Tipo de modulação – influencia no valor eficaz do CEMRF; d) Polarização: horizontal, vertical, circular ou elíptica – também tem influência no valor eficaz do CEM.
4° – Que seja elaborada uma tabela associando “altura de antena” versus “potência efetiva” para determinar quais as estações de Radiodifusão que são obrigadas a apresentar Relatório teórico. Em função dos resultados do Laudo Teórico é que a estação deverá ou não apresentar Laudo de medidas.
Se o raio correspondente ao público em geral (no centro do diagrama vertical), for igual ou menor que a altura do centro geométrico da antena, a estação fica dispensada de apresentar o Relatório Teórico.
O Relatório Teórico seria estruturado a partir dos seguintes parâmetros: a) Valores de campo eletromagnético a considerar:
– Para exposição ocupacional;
– Para a população em geral.
b) Potência efetiva irradiada (Watts)
c) Cálculo do raio (metros) no qual tem-se os valores de campo do item “a”.
Nota: Se este raio for igual ou menor que a altura do centro geométrico da antena, a emissora está dispensada de Relatório Teórico ou de medidas. Caso o raio for maior que a altura do centro geométrico da antena, elaborar tabela com os seguintes parâmetros:
– Ângulo vertical (de 5° em 5° sendo o 0° no eixo da antena – correspondente à potência máxima).
– Valores de E/E° do diagrama vertical da antena correspondentes ao ângulo vertical.
– Valores de E/E° elevados ao quadrado.
– Potência ERP correspondente a cada ângulo vertical.
– Raio (m) resultante para a população em geral.
– Raio (m) resultante para exposição ocupacional.
Os dados apontados se referem especificamente à Radiodifusão, sendo que, para outros serviços, devem ser levados em conta outros parâmetros:
– Serviço contínuo ou intermitente;
– Polarização dos sinais;
– Sistema diretivos ou onidirecionais;
– Tipo de modulação;
– Faixa de operação.
5° – De posse dos raios que vão estabelecer as distâncias exigidas para a população em geral e para exposição ocupacional, a estação irá verificar (e declarar) a existência (ou não) de residências, escolas, clínicas, hospitais, creches e asilos abrangidos por este raio em cada caso.
6° – Para exposição ocupacional, o raio correspondente não deverá abranger o local onde ficam os operadores ou técnicos da estação. Residências destes ou local de trabalho habitual deve ficar fora do raio de abrangência, exceto no caso de serem instaladas gaiolas de Faraday (nesta hipótese, medida de campo interno será necessária para comprovar a atenuação exigida).
7° – As medidas de campo somente serão exigidas nos seguintes casos: – Uso de gaiolas de Faraday;
– Os raios abrangem os locais descritos nos itens 6° e 7°, mas, na prática, o nível de sinal é inferior ao estabelecido para cada caso. Como referência, o sinal será medido no limite do raio de abrangência de cada caso;
– Se o local for multiusuário, as medidas deverão ser duplicadas, com a estação em análise no ar e fora do ar.
8° – O profissional habilitado digitaria os dados do Relatório Teórico ou de Medidas diretamente no site da Anatel, em aba especialmente criada para esta finalidade. Mesmo as emissoras dispensadas de elaborar o relatório teórico ou de medidas, deverão apresentar comprovação de que o raio máximo de abrangência para exposição ocupacional é menor ou igual à altura do centro geométrico da antena.
Conclusão:
O tabaco matou mais que todas as guerras do século XX juntas, mas só em 1995 foi aceito como deletério, inclusive para quem convive com fumantes.
Por que tal tragédia ocorreu? Principalmente porque não foi adotado nenhum Princípio da Precaução, predominando os interesses econômicos.
As precauções diante das Radiações Não Ionizantes encontram-se no mesmo patamar que o tabaco estava décadas atrás.
As sugestões apresentadas tiveram por objetivo tornar prático o assunto RNI, buscando resultados efetivos e não simplesmente se resumir na elaboração de relatórios ou medidas de sinal que nada concluem e nada previnem.
Como considerações finais, acrescentamos:
1. Alarme de campo intenso: A classificação de técnico de radiodifusão não implica em enquadramento automático na exposição ocupacional. É comum funcionários das emissoras (ou de empresas especializadas) subirem nas torres para eventual manutenção nas antenas ou substituição de lâmpadas de balizamento aeronáutico. Nestas ocasiões, o normal é a estação baixar a potência, só que esta redução é totalmente intuitiva, sem maiores estudos ou análises. Desta forma, o técnico encarregado do serviço pode ficar exposto à CEM de alta intensidade e por tempo não controlado.
Uma solução seria as estações (ou as empresas especializadas) serem obrigadas a dispor de um “Monitor Pessoal” com a obrigação do técnico utilizar.
As vantagens de uso deste tipo de aparelho são:
– Programar a intensidade de campo máxima admitida para o caso; – Avaliar se a redução de potência foi suficiente;
– Estimar o tempo máximo que poderá ficar exposto ao CEM; – Fazer o serviço em etapas: tempo em minutos que ficaria exposto ao limite máximo de CEM e tempo que deve ficar afastado do sistema. Esta sugestão apresenta a vantagem de que, desta forma, além de preservar a saúde do profissional, evita-se causas trabalhistas e adicional por insalubridade.
2. Legislação Federal: o Decreto 3.048/1999 (Regulamento da Previdência Social) em seu Anexo II – inclui “Campos Eletromagnéticos” entre as neoplasias (tumores) relacionadas com o trabalho (no caso, leucemias).
3. Pesquisas e estudos: das muitas pesquisas e estudos levados a efeito em todo mundo, contata-se que apenas é possível estimar valores de CEM com alguma certeza e precisão quando relacionados aos efeitos térmicos nos tecidos orgânicos.
Leituras de intensidade de campo em várias situações comprovaram que os valores estabelecidos pelo ICNIRP se aproximam muito da realidade. Com relação à ocorrência de neoplasias não se chegou ainda a nenhuma conclusão ou certeza.
Provavelmente, o CEM de alta intensidade e/ou de alta frequência e por um determinado tempo, pode acelerar ou dar o “start” ao desenvolvimento de algum tipo de neoplasia, mas, aparentemente, o paciente teria – em seu DNA – a tendência a desenvolver este tipo de doença. Desconhecemos em que os legisladores se basearam para incluir os CEM no campo das neoplasias.
4. Princípio de Precaução: Diante de tantas incertezas, a aplicação do Princípio da Precaução é providência que se impõe (o Brasil é signatário desde a ECO 92). A questão é: quais os valores de CEM a adotar e por quanto tempo de exposição? Este aspecto já foi definido pelo Decreto 11.934 que estabeleceu seguir o que for adotado pela OMS, a qual, por sua vez, adota os valores do ICNIRP.
5. A última versão do ICNIRP (s.m.j.) é a de 2020. Cremos que a versão está bastante clara e estabelece os valores a serem considerados, ficando apenas duas dúvidas:
– tempo de exposição: nada consta a respeito e consideramos este dado de grande importância (em algumas tabelas é citado o tempo de 30’).
– conversão de W/m² para W/Kg – depende de alguns parâmetros do meio onde a conversão (densidade de potência para SAR) deve ser feita, especialmente a densidade (massa específica) do meio e a sua condutividade equivalente, bem como a impedância intrínseca do meio onde a densidade de potência é calculada. Para simplificar e evitar erros de conversão, sugerimos que se trabalhe somente com W/m².
6. A ECO 92, dentro do Princípio da Precaução, criou a figura do EIV – Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança – o qual abrange um raio de 150 m ao redor da estação.
– Redução de potência da estação para o valor mínimo necessário, até que sejam estabelecidos valores seguros.
– Realização de medidas de sinal no raio de 150 m.
– Onde os níveis de sinal estabelecidos forem excedidos, providenciar na redução de potência e proibir novas instalações nas proximidades. – Monitorar a intensidade de sinal nos hospitais, escolas, clínicas, creches, asilos e outros locais de concentração de pessoas.
7. A densidade de energia eletromagnética natural (provocada pelas tempestades tropicais e radiação solar) é milhões de vezes menor que a provocada pelo ser humano que é, na atualidade, da ordem de 1 µW/cm² o que corresponde a uma intensidade de campo média de 4 V/m, o que, convenhamos, é muita coisa.
8. É oportuno salientar que a melhoria da utilização das radiocomunicações, e a busca de um sistema racional e eficiente passam pela contribuição de toda a comunidade de engenharia, sejam pelos profissionais da Anatel, engenheiros projetistas, empresas instaladoras, universidades, executantes de serviço, que, sediados em seus escritórios regionais, possuem a experiência única de ser o ponto de convergência com a sociedade de radiocomunicação.
Colaboraram na elaboração deste artigo/relatório:
– Prof. Álvaro A. A. de Salles – UFRGS
– Prof. Cláudio E. F. Rodriguez – UFRGS
– Eng. Paulo I. Serafini – CREA 052911 RS
– Eng. Eduardo R. Hommerding – CREA 077.338-6 SC
Este conteúdo foi útil para você?