Introdução
Perfis metálicos com seção transversal cantoneira de abas iguais – ilustrado na Figura 1(a) – são amplamente utilizados em estruturas reticuladas (formada por barras) na construção civil, como por exemplo: galpões; treliças; torres de transmissão de energia – Figura 1(b).
Apesar de sua versatilidade, colunas com seção cantoneira de abas iguais apresentam um comportamento estrutural bastante particular estando suscetíveis a dois fenômenos de instabilidade, que reduzem a resistência do elemento estrutural, sendo: (i) flambagem por flexo-torção para comprimentos curtos a intermediário e (ii) flambagem por flexão para comprimentos longos. Nesse aspecto, diversas pesquisas são realizadas mundo afora a fim de investigar e fornecer resultados mais adequados dos fenômenos mecânicos envolvidos. Possibilitando, assim, desenvolver um dimensionamento mais racional e eficiente.
Além disso, estudos tem esclarecido que o material aço inoxidável oferece vantagens exclusivas em aplicações estruturais na construção civil, como: alta resistência à corrosão; excelente resistência mecânica com alta ductilidade; baixa necessidade de manutenção. Embora o aço inoxidável tenha sido usado em aplicações estruturais nos últimos anos, a diferença mais importante está na curva tensão-deformação deste material. Considerando que (i) o aço carbono geralmente exibe um comportamento elástico linear com resistência ao escoamento (fy) bem definida, (ii) o aço inoxidável tem uma resposta elástica não linear sem resistência ao escoamento bem definida, convencionalmente definida como uma tensão de 0,2% de deformação (σ0,2%). A Figura 2 ilustra a diferença de comportamento dos materiais.
Entretanto, com a crescente busca pelo uso do aço inoxidável em elementos estruturais surge o código europeu (Eurocode 3 – Parte 1.4 [1]) baseado nas equações propostas para o material aço carbono (Eurocode 3 – Parte 1.1 [2]). Vale ressaltar que não há uma norma desenvolvida para o uso do aço inoxidável em elementos estruturais no Brasil.
Em vista disso, verifica-se que, tanto a seção transversal cantoneira de abas iguais quanto o material aço inoxidável, evidenciam lacunas que precisam ser preenchidas, principalmente no Brasil. Portanto, este artigo traz uma nova visão sobre o comportamento estrutural de colunas biengastadas com seção transversal em cantoneiras de abas compactas iguais laminadas a quente de aço inoxidável austenítico 304 sujeitas ao fenômeno de flambagem por flexo-torção.
Análise Experimental
O programa experimental foi elaborado visando investigar o comportamento da flexo-torção em colunas com seção cantoneira de abas iguais laminadas a quente de aço inoxidável austenítico 304 (EN 1.4301) com condição de contorno biengastada, sendo realizado sete ensaios [3]. Para isso, as seguintes etapas foram realizadas: (i) seleção dos comprimentos das colunas por meio de análises de flambagem elástica – Figura 3; (ii) caracterização à tração do material aço inoxidável austenítico 304 – Figura 4; (iii) imperfeições geométricas iniciais e globais – Figura 5; (iv) ensaios realizados em colunas biengastada com o propósito de registrar as (iv1) trajetórias de equilíbrio, (iv2) modo de falha e (iv3) a carga máxima – Figura 6.
Análise Numérica
A análise numérica foi realizada em conjunto com o programa experimental por meio do software de elementos finitos ANSYS 17.0 [4] para representar os resultados experimentais e, posteriormente, expandir a base de dados através um estudo paramétrico variando os (i) comprimentos e (ii) as dimensões das seções transversais estudadas. A Tabela 1 fornece os valores obtidos das cargas máximas experimentais, numéricas e a relação entre elas (Nu,FE/Nu,exp). A Figura 7 ilustra a semelhança entre os modos de falha obtidos experimentalmente e numericamente para as colunas L76x76x6,4 – 1350, L64x64x4,8 – 1260 e L64x64x6,4 – 1450.
Após a validação do modelo numérico foram gerados resultados adicionais de forma a expandir a base de dados. Doze seções transversais foram escolhidas de acordo com o catálogo da empresa Elinox [5], uma das distribuidoras de aço inoxidável austenítico 304 no Brasil, variando a largura das abas (b) e as espessuras (t), de maneira que a relação largura/espessura (b/t) fosse crescente, ou seja, de 5 a 18,68 respectivamente. Os comprimentos selecionados das colunas foram obtidos mediante à análise de flambagem elástica realizada pelo programa GBTul [6], sendo limitados até o comprimento de transição (LT), isto é, considerando somente colunas que falham por flexo-torção, principal objetivo deste estudo.
Dimensionamento Eurocode 3 – Parte 1.4
A verificação da precisão do dimensionamento foi realizada por meio da comparação entre os resultados obtidos numericamente, estudo paramétrico, e as cargas resistentes previstas pela norma europeia Eurocode 3 – Parte 1.4 [1].
A Figura 8(a) ilustra a resistência normalizada (Nu,FE/Aσ0,2%) em função da esbeltez normalizada da coluna referente ao fenômeno da flexo-torção (λft), conjuntamente com a curva de dimensionamento da flexo-torção do EC3. A Figura 8(b) ilustra a relação entre as cargas numéricas e as cargas previstas pelo código europeu (Nu,FE/Nu,EC3) em função de λft. As seguintes observações podem ser feitas:
– as colunas representadas pelos pontos amarelos apresentariam como estado limite último o fenômeno da flexão no eixo de menor inércia, porém, todas as colunas apresentaram como falha o fenômeno da flexo-torção, evidenciando uma previsão equivocada pelo código normativo em 42% dos comprimentos analisados;
a resistência de uma grande parcela das colunas situa-se acima ou abaixo da curva, indicando uma grande imprecisão no dimensionamento;
– de acordo com a Figura 8(b) é possível analisar essa imprecisão, onde existem cargas numéricas superiores de até 36% da carga obtida pela norma e por outro lado, caso de carga numérica correspondente a 80% da carga teórica da norma;
– portanto, a curva de dimensionamento utilizada pelo EC3 (0 e α) não consegue representar e prever a queda aproximadamente vertical das resistências.
Conclusões
Uma investigação experimental e numérica foi realizada a fim de compreender melhor o comportamento do fenômeno da flambagem por flexo-torção em colunas com seção cantoneiras de abas compactas iguais laminadas a quente de aço inoxidável austenítico 304.
Com os resultados obtidos no programa experimental foi desenvolvido um modelo numérico em elementos finitos, e, assim, concluiu-se que: baseado no estudo paramétrico, ilustrado na Figura 8, para uma mesma seção transversal, ou seja, mesma relação b/t, há uma queda aproximadamente vertical da resistência, onde, tal queda está associada ao comprimento da coluna. A relação b/t também influencia na resistência do elemento estrutural como um todo.
Em seguida, os resultados foram utilizados para avaliar a precisão do procedimento de dimensionamento adotado pelo Eurocode 3 – Parte 1.4 [1], onde foi observado que: (i) a norma europeia indica uma previsão equivocada do fenômeno da flambagem por flexão no eixo de menor inércia em 42% dos comprimentos analisados; (ii) a curva de dimensionamento do fenômeno da flexo-torção não consegue representar a queda aproximadamente vertical das resistências, ou seja, há uma imprecisão com muitos pontos acima ou abaixo da curva e, dessa maneira, não caracteriza um dimensionamento adequado. Logo, um novo procedimento de dimensionamento não apresentado neste artigo foi proposto conforme pode ser observado em Sarquis et al. [3] sendo mais preciso e eficaz.
Referências
EN 1993-1-4:2006+A1:2015. Eurocode 3, Design of Steel Structures – Part 1.4: General Rules – Supplementary Rules for Stainless Steels, Including Amendment A1 (2015), European Committee for Standardization (CEN), Brussels, 2015.
EN 1993-1-1 (2003) Eurocode 3, Design of steel structures – Part 1-1: General rules and rules for buildings, European Committee for Standardization – CEN, Brussels.
Sarquis F., Lima, L., Vellasco, P., Rodrigues, M. (2020). Experimental and numerical investigation of hot-rolled stainless steel equal leg angles under compression. Thin-Walled Structures, (151), 106742.
Ansys, Inc. Theory Reference (version 17.0), 2017.
https://www.elinox.com.br/produtos/cantoneiras/ Last Access: 25/07/2022.
Bebiano, R., Silvestre, N., Camotim, D., GBTUL 1.0β code for buckling and vibration analysis of thin-walled members, 2008. Freely available at http://www.civil.ist.utl.pt/gbt
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