
Frotas de ônibus para além do transporte
Para construir uma cidade inteligente, é necessário coletar e processar dados, de forma a obter informações refinadas sobre a cidade. ...
Essa é uma pergunta comum, com a chegada do verão e o aumento da probabilidade de ocorrência das chuvas que costumam alagar as grandes cidades. Porém, não há resposta simples. O sistema de drenagem, responsável por intermediar as necessidades do ambiente natural, que pede passagem para as cheias, e do ambiente urbano, que precisa manter-se saudável e funcional, precisa estar bem mantido. Porém, isso é necessário, mas não é suficiente.
O crescimento urbano em países em desenvolvimento mostra um histórico de falhas ou falta de planejamento, com a proliferação de “cidades informais”, sem a adequada infraestrutura necessária para fazer frente a esse crescimento. Mesmo em países desenvolvidos, há déficits. Falhas de drenagem, que levam às inundações, estão fortemente relacionadas aos problemas de urbanização. A água, elemento essencial à vida e sempre presente na história das cidades, como fonte de abastecimento, carreador de resíduos, meio de transporte, barreira de defesa contra invasões e capaz de fertilizar campos durante as inundações, hoje aparece nas estatísticas de forma negativa: as inundações são o desastre natural que mais gera prejuízos e mortes ao redor do mundo.
Porém, não se pode creditar à chuva o papel de vilão. Quando ela nos falta, é o fantasma da escassez que assombra as cidades. As inundações, que figuram nas estatísticas negativas, são resultantes do processo de transformação da chuva em vazão e da forma como essa vazão atravessa a bacia que abriga a cidade, interagindo com esta.
Muito se fala das chuvas cada vez mais intensas e das mudanças climáticas. A preocupação com as mudanças climáticas é absolutamente desejável, fomentando uma maior consciência ambiental e permitindo rever processos produtivos não-racionais. Porém, o processo de urbanização é, certamente, aquele que mais modifica o ambiente natural. Em termos de geração de escoamentos, uma bacia natural, ao se urbanizar com poucos cuidados, pode aumentar suas vazões em cerca de 600%. Se a urbanização ocorrer de forma sustentável, esse número pode cair à metade. Por outro lado, o resultado das mudanças climáticas sobre eventos de chuva intensa ainda é duvidoso quanto ao seu alcance e, boa parte das vezes, as estimativas são feitas na escala global e para o regime hidrológico. Porém, há algumas estimativas de incremento de chuvas intensas da ordem de 10 a 30%. Portanto, avaliando de forma comparativa estes números, percebe-se que as cidades precisam fazer seu dever de casa no planejamento e controle do processo de urbanização.
Além disso, a cidade, como sistema complexo, tem inúmeras relações transversais entre os sistemas urbanos, interagindo reciprocamente, com consequências funcionais. Assim, por exemplo, quando há déficit habitacional, uma população carente é empurrada para encostas e margens de rios. Ao remover vegetação e ocupar áreas que deveriam naturalmente alagar, sobram escoamentos superficiais e faltam áreas para amortecimento de vazões, levando a inundações de casas, com vários prejuízos e, eventualmente, agravando o próprio déficit habitacional. Se há lixo sobre as ruas ou esgoto sendo lançado na rede drenagem, esta perde capacidade, não absorve ou conduz adequadamente os escoamentos e gera alagamentos, que agravam os problemas de saneamento, com consequências sobre a saúde pública. A desordem urbana e o não funcionamento integrado dos vários sistemas são pontos a serem abordados e tratados para uma solução definitiva dos problemas de drenagem.
É preciso ter a rede funcional e, portanto, com cobertura adequada e bem mantida. Em cidades que já alagam, onde a urbanização ultrapassou a capacidade de suporte das redes de drenagem e, eventualmente, da própria bacia natural, provavelmente serão necessários reservatórios e outras medidas buscando reter a água, aumentar a infiltração e reorganizar os escoamentos. Mas, ainda assim, isso não resolve os problemas no longo prazo. É preciso olhar a cidade como um todo e cuidar dos problemas de habitação, esgotamento sanitário e resíduos sólidos, para que as soluções se sustentem. Muitas vezes, sem esses cuidados, a cidade que cresce se torna o principal adversário das soluções propostas.
Hoje, vem crescendo o uso do conceito de manejo sustentável das águas urbanas e gestão do risco de inundação, caminhando em direção à construção de cidades mais resilientes. Esses conceitos, de sustentabilidade e resiliência das cidades, não focam apenas no momento presente – destaca-se a busca por resultados de qualidade de vida ao longo do tempo, olhando para o futuro. Conceitos mais recentes de gestão das águas urbanas reconhecem esse problema por óticas complementares, que precisam ser integradas. Há um problema de engenharia civil/hidráulica, em que é preciso reorganizar os escoamentos nas várias escalas espaciais, do lote à bacia; há a necessidade de recuperar o valor ambiental dos rios nas cidades, aumentando, tanto quanto possível, a biodiversidade; é preciso ainda buscar a revitalização da própria cidade, que se degrada e empobrece com as inundações, integrando as soluções de drenagem aos sistemas de espaços livres, com a participação de arquitetos, urbanistas e paisagistas; a população precisa abraçar as soluções propostas e efetivamente se apropriar destas como objeto de controle social; as soluções precisam ser viáveis economicamente e não trazer contas de manutenção que não caibam nos orçamentos municipais; e, não menos importante, arranjos legais e institucionais devem estar preparados para receber estas soluções e dar-lhes sustentação.
Com todo esse quadro, é possível perceber que medidas de curto prazo atuam apenas de maneira paliativa. É preciso recuperar a cidade no longo prazo, com políticas de estado continuadas. Infelizmente, aquilo que foi degradado ao longo de vários anos precisa de uma ação sistemática para atingir de volta um patamar desejável.
Imagem aérea da Barra da Tijuca, Recreio e parte das Vargens – Conflitos entre ambiente natural e construído, com ocupação de áreas ambientalmente frágeis e sujeitas a inundação.
Rio Guerenguê-Arroio Pavuna, em Jacarepaguá, estrangulado pela urbanização e sujeito a inundações.