Uma luz sobre a equidade de gênero na área tecnológica
Os estudos apresentaram evidências de que os percentuais das estudantes e das profissionais nas engenharias e afins vêm aumentando, mas ...
A geração atual enfrenta importantes desafios. A desigualdade de gênero é um deles e precisa avançar em todas as áreas da sociedade para que seja uma realidade. No ritmo atual, a igualdade de gênero só deve ser atingida em 135,6 anos. Precisamos acelerar essa mudança para vivermos num mundo mais igualitário o quanto antes. Para isso, é importante olharmos para a realidade nacional e nos perguntar: quantas mulheres estão em cargos de direção nas empresas? Quantas mulheres ocupam assentos nas câmaras de vereadores? Quantas mulheres atuam nas áreas de Ciência e Tecnologia?
Buscando responder à última dessas perguntas, o Laboratório do Futuro da COPPE/UFRJ, em parceria com o Departamento de Matemática do Instituto Superior Técnico de Lisboa, Portugal, estão realizando um levantamento inédito de iniciativas que favoreçam a igualdade de gênero no mercado de trabalho e ensino superior nas áreas de STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) no Brasil. Já identificamos que a participação de mulheres no mercado de trabalho em STEM é de 31%, enquanto que, no ensino superior em STEM, a participação feminina é de 29%.
A Constituição Federal brasileira garante direitos iguais a homens e mulheres. Por outro lado, essa mesma Constituição só foi promulgada em 5 de outubro de 1988. Analisando o passado através de uma lente histórica, verificamos que no Brasil os primeiros cursos universitários criados – Medicina, Direito e Engenharia – foram incentivados para auxiliar nas chamadas profissões imperiais, que ocasionaram a hierarquização de carreiras na formação para o mercado de trabalho e também nas diferenças entre estudantes destas áreas.
A Engenharia Civil brasileira, por exemplo, nasceu no período imperial e é herdeira de um pensamento essencialmente militar, preocupado com a colonização e a defesa do território brasileiro. Em decorrência das relações patriarcais da sociedade brasileira, a primeira mulher a se formar em Engenharia no Brasil, foi Edwiges Maria Becker Hom’meil, em 1917, quase um século após a criação do primeiro curso de Engenharia, em 1810. Podemos citar outras grandes engenheiras brasileiras, como a engenheira agrônoma Veridiana Victoria Rossetti, internacionalmente reconhecida como uma das maiores pesquisadoras em pragas e doenças e Enedina Alves Marques, primeira engenheira negra do Brasil, que participou do projeto de construção da usina hidrelétrica Governador Pedro Viriato Parigot de Souza, na região metropolitana de Curitiba.
Apesar do Brasil ocupar a 93ª posição do ranking de igualdade de gênero, temos desafios ainda em dar o primeiro passo de aceitar que o problema existe e precisa ser combatido, dado que 12% das pessoas são contra o aumento da igualdade de gênero no país enquanto que 21% consideram que nenhuma mudança seja necessária.
Os desafios de igualdade de gênero no país se encontram principalmente nos setores de empoderamento político, dado que a participação de mulheres no parlamento é de apenas 15%, e nas oportunidades econômicas, onde o número de mulheres no mercado de trabalho tem crescido, mas a desigualdade salarial ainda é grande. Um número que exemplifica o tamanho do desafio das empresas no Brasil é o de que apenas 0,8% das empresas têm CEOs mulheres e somente 8,6% das cadeiras dos Conselho Administrativo são ocupadas por mulheres.
Dentre as áreas onde a desigualdade de gênero ainda é considerável, encontram-se a inserção no ensino superior e no mercado de trabalho em STEM. Em particular, a participação feminina nos cursos de Engenharia é de 26%; mais baixa do que os 29% do STEM como um todo. A tabela abaixo exibe a participação das mulheres nos dez cursos de Engenharia com mais estudantes. Podemos ver que apenas três cursos possuem paridade de gênero (se situam entre 45%-55%) e todos os demais possuem uma predominância masculina com alguns cursos ficando numa faixa abaixo de 13% de participação feminina.
No mercado de trabalho, os números são ainda piores: as diferentes profissões da Engenharia só contam com 18% de participação feminina. A tabela abaixo mostra os dados das dez profissões da Engenharia com mais trabalhadores formais. Nesse caso, nenhuma das profissões possui paridade de gênero e todas têm menos do que 35% de participação feminina.
Quais são as barreiras para o aumento da participação feminina na área de STEM no Brasil? Resultados de pesquisas apontam que mulheres passam por situações enquanto alunas de cursos de graduação que contribuem para a desistência na formação superior. Existem as barreiras relacionadas a estereotipo de gênero, com julgamentos que resultam em discriminação e segregação nas atividades acadêmicas, além de dificuldades em expor ideias, terem suas ideias consideradas ou até mesmo serem reconhecidas como autoras de ideias aceitas.
Algumas ações supostamente gentis, como carregar objetos para as mulheres em atividades práticas, quando, claramente, elas teriam capacidade de carregar, podem ser sentidas como subjugação de capacidade, com base em um estereótipo de feminilidade e de relação entre os gêneros, em que o homem terá as condições de ajudar a mulher que, nesse caso, não é capaz.
São ainda bem comuns as mulheres serem alvos de anedotas e “brincadeiras”, tendo como base o reforço de uma percepção de superioridade das habilidades de uma pessoa sobre a outra. Juntando ao fato de serem sempre a minoria nos cursos, ocorre o isolamento das mulheres, o que dificulta a interação em atividades acadêmicas e sociais. Outras barreiras bem citadas pelas mulheres em outras áreas de conhecimento também ocorrem na área de STEM: interrupções na fala, mansplaining (quando um homem explica coisas óbvias à mulher), estereótipos de gênero durante a divisão de tarefas, assédio moral e sexual.
Certas barreiras têm origem antes da mulher entrar em curso de graduação em STEM, ainda na infância e adolescência. Uma delas é a considerável baixa exposição aos assuntos de STEM (comparado ao que ocorre com os meninos), que leva ao medo ou mesmo à repulsa à área de STEM. Quando chegam na graduação, o efeito disso é que as mulheres sentem que precisam se esforçar muito para alinharem seus conhecimentos aos que os homens já tiveram antes da graduação. A falta de confiança das mulheres em seu desempenho pode agir tanto como causa quanto efeito dos estereótipos e das demais barreiras e complicar ainda mais a participação das mulheres em áreas STEM.
Também é possível encontrar em resultados de pesquisa um conjunto de fatores que são reconhecidos como motivadores para as mulheres que ultrapassaram as barreiras encontradas em suas jornadas na formação e carreira na área de STEM. Assim como as barreiras, os motivadores surgem ainda na infância e adolescência através do incentivo da família, amigos e escola. Esses mesmos motivadores continuam sendo importantes durante a formação superior da mulher na área de STEM para que ela mesma persista na graduação.
O ambiente escolar é um fator ambiental que afeta o interesse de crianças e adolescentes, quando incluem no currículo escolar ações que apoiem atividades científicas e/ou em outras áreas de STEM, com desenvolvimento de habilidades através de resolução de problemas, atividades práticas, conteúdo científico associado a aplicações da vida cotidiana, aprendizagem cooperativa, atividades investigativas, trabalho em grupo e aprendizagem ativa. Tal exposição à área de STEM durante o ensino médio favorece o empoderamento das meninas ao aumentar a autoconfiança em suas habilidades em atuar nas áreas de STEM. A participação nas ações e incentivo dos professores também é fundamental, pois eles têm papel de modelos. O nível educacional dos professores em áreas de STEM também age como motivador, quando eles se comunicam de forma confiante com os alunos e expressam suas preferências e empolgação pela área.
Alinhadas a esses fatores motivacionais, têm-se aplicado estratégias voltadas para a mudança de percepção sobre a área de STEM e aumento da confiança das meninas estudantes do ensino médio em relação à disciplina dessa área. Uma estratégia que se desdobra em várias ações é a exposição a treinamento em temas da área de STEM. O contato com trabalhos na área executados em universidades, visita a laboratórios como de Informática e demais temas de Engenharia, cursos, workshops, desafios práticos, entre outros, são estratégias para desconstruir estereótipos de gênero que possam estar internalizados nas meninas. Também são adotadas estratégias com foco em Role Models (pessoa que exerce um papel e pode ser um exemplo), com o contato de meninas com mulheres da área STEM, nas quais a rotina dessas mulheres e seus desafios são compartilhados.
A Heroines Learning Journey, ou Jornada de Aprendizado da Heroína em Português, é uma proposta, desenvolvida por alguns dos pesquisadores do Igualdade STEM, focada na vida prática e real projeto, que visa gerar curiosidade e interesse para jovens mulheres, entre 15 e 20 anos, nas áreas de STEM, proporcionando uma linguagem de gênero mais igualitária, aprimorando habilidades matemáticas, bem como ensino de conteúdos relacionados à aprendizagem STEM. Esta jornada na área da educação, tem experiências de aprendizagem coletiva ou individual. Nesse tipo de aprendizagem, os estudantes precisam buscar o conhecimento primeiro e depois buscar auxílio para tirar as dúvidas.
Além disso, por meio de um séries de desafios, estruturados em uma narrativa, contendo três Atos e doze estágios, os estudantes também são influenciados pela teoria de metas, uma vez que a definição do objetivo é uma parte indispensável da configuração e também está relacionada ao propósito, para que os alunos possam estabelecer desafios até atingir o objetivo final. Finalmente, o feedback recebido por estudantes, durante o percurso percorrido entre os estágios, é um estímulo à autodeterminação e motivação para o progresso das habilidades. Teorias motivacionais ajudam a incentivar estudantes a realizar tarefas, preparar-se para testes e apresentações, estabelecer suas próprias redes de colaboração e atingir seus objetivos finais de sucesso no curso, servindo também como uma abordagem para a autorregulação da aprendizagem.
Iniciativas como essas são importantes e necessárias para que possamos acelerar a igualdade de gênero em STEM de forma que a Ciência e Tecnologia produzidas no Brasil sejam cada vez mais inclusivas e respeitem uma sociedade plural como a nossa.
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