O ruído como aspecto ambiental presente em construções
Uma das características da sociedade humana é o alto grau de interferência que causa sobre o ambiente visando a adaptá-lo ...
O Porto de Jaconé, nome mais conhecido dos Terminais Ponta Negra, previsto para ser construído em Jaconé, em Maricá, desde 2009, no Rio de Janeiro, recebeu do INEA uma licença para o início das obras de instalação. A área marítima, situada ao lado do Costão de Ponta Negra, abrange o antigo Campo de Golf da família Marinho (Rede Globo), que manteve durante anos aquela praia praticamente deserta, frequentada apenas por seus convidados, pescadores, banhistas, entre eles alguns surfistas, encantados com as ondas próprias para as manobras radicais.
A primeira notícia de que a área estava no radar dos grandes investimentos nacionais e internacionais foi veiculada justamente em 2009, quando foi divulgada a visita de membros da comissão de implantação e acompanhamento do COMPERJ (Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro), os representantes da Assembleia Legislativas – ALERJ, do subsecretário estadual da Região Metropolitana do ex-governo Sérgio Cabral, Alexandre Felipe, e do secretário municipal de desenvolvimento econômico, indústria, comércio e petróleo de Maricá, Aleksander Santos. O sobrevoo de helicóptero que fizeram pela região onde seria construído o Pólo Naval de Maricá selou o acordo comemorado em seguida no gabinete do ex- prefeito de Maricá. Sim, eles trabalhariam unidos, nas esferas Federal, Estadual e Municipal.
Poucos meses depois, em 2010, veio ao Brasil o armador grego Victor Restis, dono de uma frota de 140 navios, disposto a investir milhões de dólares num estaleiro em Maricá, para construção e manutenção de navios petroleiros. Mais uma vez um sobrevoo pela região encheu os olhos dos executivos, entre eles o presidente da Wisekey, Marcos Troyjo, e o próprio Victor Restis, recebidos pelo então ex-prefeito Quaquá, a comitiva do governo estadual, o assessor do ex-governador Sérgio Cabral, Paulo Fernando Magalhães Pinto e Carlos Gonçalves, assessor da secretaria de Estado de Desenvolvimento, Energia, Indústria e Serviços.
Na ocasião, Restis anunciou um investimento inicial de R$ 750 milhões de reais, contando com a contrapartida do estado para ser realizado. Segundo o empresário, o próximo passo agora, seria analisar as características geológicas e correntes marinhas. As perspectivas eram boas. O grupo grego previu na época a geração de 20 mil empregos na área da indústria naval com investimentos de até US$ 1 bilhão no município de Maricá. E ainda visualizou a oportunidade de explorar o potencial turístico da Região das Baixadas Litorâneas e dos Lagos, dizendo-se encantado com a área.
Lançamento nos USA
Em 2011, durante um evento promovido pelo mega empresário brasileiro Mário Garnero, no sofisticado Harcard Club, em Nova York, foram anunciadas mais de uma dezena de parcerias de seu banco, o Brasilinvest, com 14 empreendimentos mundiais, entre eles o estaleiro de Maricá. Anunciado como sócio, o armador Victor Restis previa um investimento em torno de US$ 2 bilhões, para a produção de navios-tanque destinados à exportação de petróleo brasileiro, com projeções de lançamento da primeira embarcação em três anos.
No ano seguinte, foi aberto um pedido de licença do empreendimento Terminais Ponta Negra ao INEA (Instituto Estadual do Ambiente) pela DTA Engenharia e, em 2013, foi aprovada a Lei 2.483, de Criação de Área de Especial Interesse Urbanístico e Econômico, voltada para atividades de Logística, Portuária e Industrial, em Maricá. Porém, o papel da Câmara Municipal de Maricá nesta aprovação da lei chamou a atenção dos moradores, em especial da chamada sociedade civil e movimentos ambientalistas, que combateram a forma como foi feita a sessão do Legislativo: de noite, quando as seções eram habitualmente de manhã, e sem a presença de público; aparentemente às escondidas! Da noite pro dia, a área que era de preservação ambiental passou a ser industrial. Era algo que os moradores acostumados com aquela praia, chamada por eles de “Praia do Sossego”, jamais poderiam aceitar, iniciando-se um conflito que dura até hoje e é motivo de debate e reflexão.
De um lado, os interesses desenvolvimentistas da indústria naval petrolífera. De outro, os moradores, pescadores, surfistas, ambientalistas e principalmente cientistas que descobriram naquela área grande interesse geológico. A presença, por exemplo dos famosos “beachrocks”, que são rochas de praia que demarcam variações do nível do mar, representam em muitos casos praias pretéritas, de grande interesse para os pesquisadores. Segundo o geógrafo e professor Dr. Vitor Nascimento, da UFF (Universidade Federal Fluminense), essas rochas ganharam muita importância por terem sido descritas pelo naturalista inglês Charles Darwin, em 9 de abril de 1832, quando da sua passagem pelo local.
Idas e vindas
Além da importância científica, geológica, geomorfológica e paisagística, entre outras, os ‘beachrocks’ possuem uma importância educativa relevante, para pesquisadores estudantes e professores e, além da relevância científica, favorecem a existência de uma biodiversidade expressa, por exemplo, pela ocorrência de moluscos como mexilhões, além de atrair peixes. Essas rochas também desempenham um importante papel de proteção da costa, diante do embate das ondas, principalmente as de “tempestade”, como explica o professor e geógrafo Vitor Nascimento. “Datadas em cerca de 6 mil anos, em datação realizada pelo Centro de Estudos Isotópicos Aplicados (CAIS) da Universidade de Geórgia, nos Estados Unidos, são rochas que apresentam tipologias e estruturas sedimentares associadas que as tornam singulares e por isso valiosas”, descreve o professor.
Ele explica, ainda, que os “beachrocks” revelam acontecimentos geológicos e não paleontológicos, pois não têm relação com o choque entre as placas tectônicas, como o que se encontra nas rochas que formam o Costão de Ponta Negra, no final da praia de Jaconé. Visando à proteção de todo esse conjunto rochoso, a professora e geóloga Dra. Kátia Mansur, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e o também o professor e geólogo Dr. Renato Rodrigues Ramos do Museu Nacional e do Departamento de Geologia e Paleontologia da UFRJ, junto com suas equipes, criaram o projeto do Geoparque Costões e Lagunas, que inclui 17 municípios da Região Costeira do Leste e Norte Fluminense, desde Maricá até o limite com o estado do Espírito Santo, justamente na área litorânea do Pré-Sal, que abrange tanto a Bacia de Campos como a Bacia de Santos. (Beachrock de Jaconé – uma pedra no caminho de Darwin, 20/11/2012)
A partir daí, iniciou-se um grande movimento em apoio à preservação da área e sua ocupação em atividades turísticas, recreativas, educativas, ambientais, esportivas e científicas, tendo como ponta de lança o Movimento SOS Jaconé Porto Não! O Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) foi acionado por membros da sociedade civil, num processo onde eram ouvidos regularmente os cientistas. Assim, realizaram-se vários atos de protesto contra o Porto de Jaconé, tanto em Maricá como em Saquarema, pois a praia de Jaconé ocupa os dois municípios, onde ocorrem os “beachrocks”. Correndo para ganhar apoiadores do futuro Porto de Jaconé, a Empresa DTA Engenharia iniciou uma série de conversas com a população local, em Maricá, Saquarema e no Rio.
Desenvolvimento x preservação
Em 2015, um Parecer Técnico do GATE (Grupo de Apoio Técnico Especializado) do MP-RJ questionou aspectos do EIA-RIMA (Estudos e Relatório de Impacto Ambiental) apresentado pela DTA Engenharia, para obtenção da Licença Prévia (LP) dos Terminais Ponta Negra (TPN). Foram feitas audiências públicas em Maricá e Saquarema sobre o empreendimento. Pouco tempo depois, foi aberto um processo de Tombamento Estadual do Geossítio, considerado legal pelo INEA e pelo Conselho Estadual de Cultura do Estado do Rio de Janeiro. Mas, curiosamente, a Casa Civil do Governo do Estado determinou o arquivamento do processo…
Foi emitida outra Licença Prévia favorecendo o porto. Mas, por outro lado, o DRM-RJ (Departamento de Recursos Minerais) emitiu parecer considerando a implantação dos TPN uma perda e descaracterização do patrimônio geológico da área. No ano seguinte, o DRM volta atrás, com um parecer oposto ao inicial e, paradoxalmente, exonera do cargo os três geólogos do órgão que assinaram o parecer anterior.
Nesse jogo de vai e vem, uma Ação Civil Pública do Ministério Público Federal e Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro contra as três esferas – União, Estado do Rio de Janeiro e município de Maricá – pede a proteção integral do patrimônio representado pelos “beachrocks” de Jaconé. A 3ª Vara do MPF de Niterói determina que “se abstenham de praticar quaisquer atos ou omissão tendentes a suprimir, destruir, mutilar ou descaracterizar, total ou parcialmente, direta ou indiretamente, o patrimônio cultural e arqueológico referente aos Beachrocks de Jaconé”.
Em 2017, é protocolado na ALERJ um Projeto de Lei que determina o tombamento dos beachrocks de Jaconé como patrimônio histórico e cultural e o Tribunal Regional Federal 2 mantém a decisão de não autorizar o licenciamento do TPN. Por sua vez, o MP-RJ lança o documentário “Beachrocks em Chamas” e, em 2022, outro filme, “Pedras de Darwin, os Beachrocks de Jaconé”, do cineasta Carlos Pronzato, revela a luta comunitária contra o Porto de Jaconé. Declarada a suspensão da Licença do INEA, uma Audiência Pública na ALERJ apresentou um novo projeto do TPM, em 2018.
Em 2023, após nova decisão judicial, é anunciada mais uma Licença do INEA, favorável ao Porto de Jaconé. É possível que este não seja o último capítulo da novela, cujo enredo é uma luta ferrenha entre dois lados. O assunto é polêmico; os próximos passos serão decisivos. Por isso, através da sua Comissão de Meio Ambiente (CMA), o Crea-RJ está promovendo essa reflexão e debate, para que a geração futura, tenha uma visão do que realmente está acontecendo, entre os que têm um olhar desenvolvimentista e os preservacionistas, sobre esse mega empreendimento que vai afetar toda a região em que o mesmo está sendo proposto.
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