Orgulho de ser engenheiro
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A identidade cultural do Brasil no início do século XX está profundamente marcada pelos longos anos de escravidão (SOUZA, 2019). De acordo com Morrison (2020), a sociedade afrodescendente não teve condições de ter uma ascensão social e econômica. Complementando a educação voltada para negros recheada de desafios que deu uma nova característica ao processo exclusivo para além do social e o econômico, o intelectual, uma vez que a escola era elitista, não possibilitando aos negros acesso à educação de qualidade e a formação acadêmica.
De fato, com o decorrer do século XX, esta configuração teve significativa mudança, entretanto com grande atraso. Além desses fatores, acrescenta-se a contextualização da mulher negra na sociedade, que, desde a escravidão vem se esforçando para ser o sustentáculo econômico da família no mundo contemporâneo, e que continuam a enfrentar barreiras e desafios criados pela discriminação racial (THEODORO, 1996). Apesar disso, com muita luta, mulheres vêm conseguindo ocupar lugar de destaque, como é o caso de Enedina Alves Marques, a primeira engenheira negra do Brasil, que conseguiu se formar no ano de 1945, contrariando o consenso de que os negros têm menor capacidade intelectual (CONCEIÇÃO, 2007).
De acordo com Jaccoud (2008), os estereótipos e preconceitos raciais não tiveram trégua, pelo contrário, influenciaram e continuam influenciando a mobilidade intergeracional, desqualificando e restringindo o lugar social de homens e mulheres negros no mercado de trabalho e na educação. Hoje, se sabe, por meio de pesquisas, o quanto as políticas públicas podem atenuar as desigualdades crônicas em nossa sociedade. Como diz o profº Paulo Freire: “[…], a educação é uma forma de intervenção no mundo” (FREIRE, 1996, p.98).
A pobreza e a desigualdade não são fenômenos que assolam somente o Brasil, nem tão pouco são de exclusividade de países periféricos, subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Entretanto, não fica difícil entender essa trágica narrativa da educação e do trabalho para os negros quando traçamos a linha do tempo e tomamos ciência que o Brasil foi um dos últimos a abolir a escravidão. Como garantir um mínimo de condições de sobrevivência e dignidade para quem não tem somente renda para o seu sustento, mas que, também, estão alijados do acesso aos bens e serviços públicos que se encontram dentro da política social universal: saúde, educação, cultura, lazer, etc. Neste caso, a probabilidade de superação do ciclo de pobreza familiar é cada vez mais reduzida, consequentemente, a “porta de saída” via ascensão social.
O país que temos hoje é resultado dos longos anos de escravidão perpetrados no Império, e só com o advento da Abolição altera-se o status dos negros escravizados. Porém, muda-se muito pouco ou quase nada a situação política, econômica e social dos mesmos. No fundo instala-se uma nova e árdua batalha para constituir de direitos esses novos “livres”. Já foi dito acima que o Estado-cidadão não foi um bem dado graciosamente, requereu disputa, sangue, suor, lágrimas e vidas.
Não havia, por parte da elite burguesa, nenhum sentimento altruísta em inserir essa população marginalizada pela escravidão no novo mundo que se descortinou com a libertação. Além disso, era uma falácia o que muitos bons espirituosos defensores da liberdade diziam que os negros libertos entrariam no mercado de trabalho, que colaborariam para modificações na forma de organização dos meios de produção imposta pelo mercado europeu (em especial) e de distribuição de renda. É fácil deduzir que nada, absolutamente nada disso, ocorreu de imediato, pois se ainda nos dias atuais esse resgate com a história não ocorreu, o que podemos dizer naqueles anos que sucederam a Abolição em 1888?
De fato, o maior interesse era se livrar da vergonha internacional em ser uma grande nação num contexto continental, assim como, um grande mercado promissor, entretanto, excluído por manter a política segregacionista de parcela significativa de sua população. Com a Abolição da escravatura e logo a seguir a Proclamação da República, essa nova composição social requereu desse quadro político instaurado um movimento que respondesse às recentes demandas.
Para consolidar-se como Estado-Nação e estratificar sua população, foi escolhido o caminho perverso da manutenção das diferenças sobre ela impostas pelos anos de profundas desigualdades. Porque aqui não podemos salientar somente a questão racial. Embora ela seja determinante e dê sentido ao processo histórico, não se pode ignorar o contingente populacional branco, igualmente excluído das políticas públicas do Estado em benefício de uma casta entorpecida pelo poder econômico e manipuladora do poder político. Esse cenário caótico de pobreza, de ausência total das políticas sociais que ensejou as diversas batalhas separatistas ao longo da história.
Importante resgatar a trajetória histórica do país, assim como, o forjamento da sua identidade cultural. A tatuagem no tecido social brasileiro até hoje não foi possível de apagar. Quando se resgata a história da educação no Brasil, percebe-se a dura realidade da formação do Estado brasileiro. Em 1906, o Presidente da República Nilo Peçanha assina o Decreto nº 1606 de 29 de dezembro criando os Liceus de Artes e Ofícios, no qual se lê que o objetivo dessa instituição de ensino é dar uma profissão para os “desvalidos da sorte”, ou seja, os pobres que se encontravam em risco social, sobretudo a enorme população negra sem ofício. Essa situação perdurou até bem pouco tempo em que o acesso ao ensino médio e superior público para as camadas mais vulneráveis da população era praticamente impossível.
Portanto, a exclusão é o estado permanente das classes mais vulneráveis da sociedade, e isso não se relaciona somente ao aspecto no ambiente de decisão política, mas basicamente nas ocupações de maior remuneração e qualificação. Um aspecto importante refere-se à dessocialização da classe trabalhadora que produz os bens duráveis, contudo, são marginalmente excluídos do mercado consumidor. Situação que está longe de ter fim. De tempos em tempos arquitetam intervenções estatais, que têm por premissa, dotar a administração pública com a falsa promessa de melhorar a qualidade das políticas públicas de combate à pobreza e à desigualdade por meio de programas de inclusão social.
Referências bibliográficas
CONCEIÇÃO, Miguel Luiz da. O aprendizado da liberdade: educação de escravos, libertos e ingênuos na Bahia oitocentista. Salvador, 2007. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal da Bahia, 2007.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa / Paulo Freire. – São Paulo: Paz e Terra, 1996 (Coleção Leitura)
JACCOUD, L. O combate ao racismo e a desigualdade: o desafio das políticas públicas de promoção da igualdade racial. In: THEODORO, M. (org.). As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil: 120 anos após a abolição. Brasília: Ipea, 2008.
MORRISON, Toni. A fonte da autoestima: ensaios, discursos e reflexões. São Paulo: Companhia das letras, 2020.
SOUZA, Jessé. A Elite do atraso. 1 ed. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2019.
THEODORO, Helena. Mito e espiritualidade: mulheres negras. Rio de Janeiro: Pallas, 1996.
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